Artigos e notícias

Nova onda “migrativa”

Nos últimos anos a imprensa têm veiculado inúmeras reportagens a respeito da imigração de uma série de grupos europeus, principalmente de Portugal e Espanha, que tem ocupado importantes postos de trabalho no Brasil, que segundo estes é a “terra das oportunidades”. Não se pode deixar de fazer uma reflexão a respeito dessas reportagens, sem ligá-las a uma outra “onda imigrativa” ocorrida no Brasil no final do século XIX, em nosso país. 

Contextualizando um pouco… A partir de 1870 começou a haver uma mudança nas ações econômicas desenvolvidas pelas elites até então, acompanhando as tendências do capitalismo moderno, na crítica ao regime escravocrata. Na prática, o alto custo do trabalhador escravizado, é que levava a esta postura, pois após o fim do tráfico negreiro e o encarecimento do valor da manutenção do negro escravizado, os cafeicultores do Oeste Paulista passaram a patrocinar a vinda de imigrantes europeus para trabalharem nas lavouras. 

Foi essa “onda migrativa” associada à resistência negra e ao movimento intelectual-abolicionista, que acelerou o fim do escravismo no Brasil. Porém, nesta época, essa conjuntura animou ainda mais o processo de imigração de trabalhadores, principalmente europeus, e em sua maioria camponeses, que vislumbravam no Brasil a “terra das oportunidades”, onde teriam a chance de crescer e se desenvolver economicamente, o que não teriam na Europa, graças à pauperização das classes trabalhadoras e das ebulições sociais e políticas pela qual o continente passava. 

Ao encontro disso, as nossas elites viam com muito bons olhos a chance de usar esses imigrantes para “branquear” a população, à luz das teorias racialistas, em voga no final do século XIX na Europa, que defendiam não apenas a divisão da população mundial em raças, como também idealizava a raça branca como a mais civilizada. Branquear sim, pois no Brasil existiam muitos negros e mestiços em meio a população branca o que tornava o país, na visão dos cientistas da Antropometria, um “antro de degenerados”, assim, era urgente a chegada dos imigrantes europeus, ainda que pobres, o que era melhor, pois poderiam ser explorados nos moldes da “nova ótica capitalista”.  

Deste modo, o negro perdeu não só o seu trabalho, como também a sua visibilidade, e a partir daí, o sonho da igualdade, principalmente após a Lei Áurea, que aboliu o trabalho escravo, mas não inseriu o negro na sociedade brasileira. O negro foi excluído de tudo, do acesso à terra, da educação, do mundo do trabalho, da formação profissional… Foram poucos os que conseguiram alguma visibilidade, mesmo assim, longe do mundo da intelectualidade, do mundo da Academia. 

Hoje, passados quase 137 anos daquela abolição da escravatura, e considerando que as políticas públicas, em nosso país, nada ou quase nada fizeram para os descendentes de Palmares – quilombo este, que não apenas abrigava negros, como também mestiços (dos diversos matizes), caboclos, índios e até brancos pobres, também vivenciamos um aumento de imigrantes oriundos de países, ditos em desenvolvimento, um aumento de 24,4% em dez anos, segundo os últimos dados do Ministério da Justiça, em 2021. Principalmente de congoleses, angolanos, sírios, venezuelanos, haitianos e colombianos. Resultando em um número aproximado de mais de 1,5 milhão de imigrantes residentes no Brasil. 

Dado a esse número, é essencial que o Brasil continue a investir em políticas públicas que promovam a integração de todos os migrantes e refugiados, independentemente de sua origem. Isso inclui garantir acesso à educação, trabalho e serviços sociais, para que todos possam contribuir para o desenvolvimento do país de maneira justa e equitativa. Tendo em vista, especificamente os números relativos a educação e trabalho, o número de migrantes ocupando postos de trabalho no Brasil aumentou de 62.423 em 2011 para mais de 200.000 em levantamento recente e o número de estudantes migrantes na rede básica de ensino passou de 41.916 em 2010 para quase 50.000. 

Considerando essa estatística, é crucial que o governo brasileiro tome medidas para garantir que a imigração não resulte em novas formas de exclusão ou discriminação nem com os próprios brasileiros nem em relação aos migrantes não europeus, considerando que  estes trabalhadores, que estão sendo absorvidos em condições privilegiadas pelas diversas empresas nacionais e transnacionais, sediadas no Brasil, em detrimento dos “palmarinos”, que sem a oportunidade de serem atendidos por um sistema educacional de qualidade ficam relegados ao subemprego, à baixas remunerações e à consequente exclusão social. A história da imigração no Brasil mostra que, sem uma abordagem cuidadosa e inclusiva, os mais vulneráveis podem ser abandonados. 

Sendo assim, é urgente que o Estado brasileiro favoreça não apenas um investimento quantitativo e qualitativo em Educação, mas que favoreça o cumprimento não apenas dos objetivos constitucionais, no que concerne a Educação, mas também, que os sistemas regulares de ensino, auxiliem na construção de uma “feliz cidadania” de todos esses sujeitos, a partir de um processo de ensino-aprendizagem real e antirracista. De resto, é cobrar uma posição mais firme do Estado e aguardar boas iniciativas para que o Brasil seja de fato a “terra das oportunidades”, para todos os seus habitantes. 

Jorge Luís Felizardo dos Santos, é Diretor de Escola da Rede Municipal de Educação de São Paulo, Doutorando do Programa de Pós Graduação em Humanidades, Direitos e Outras Legitimidades (DIVERSITAS/USP) e Coordenador do Núcleo de Educação Antirracista do Centro de Estudos e Pesquisas em Justiça Racial, Ambiental e Mudanças Climáticas (CEPRacial) da Universidade Zumbi dos Palmares. 

Veja também

Conteúdos relacionados

Mais conteúdo